terça-feira, janeiro 27, 2004

Mãe,
De onde te veio esse sorriso
Na precaridade e no sofrimento?
Com que olhares me criavas?
Que de mim esperarias?


De onde a força que levavas
Na vida-breve, tormento?


Como pudeste prosseguir sabendo
Que nada além de maior dor te esperava,
Que nunca me criarias, como dizias,
e eu sabia que sabias?


Tanto lias... mas porque bordavas
E como Penélope tecias infinitas rendas
Por um Ulisses que não merecia as prendas


Dessas mãos imaculadas
Tão finas, de unhas cuidadas,
Mãos de menina que eras,
Que menina findarias?


Olhando o teu olhar estremeço
De orgulho e se me vejo no espelho
No meu olhar vejo o nosso


Mãe coragem, atravesso
As altas chamas do mundo
E como tu vou cantando
O Fado que, nos calhando,


Na nossa voz reconheço,
E de coragem recobro
Do pouco de ti que lembro


Vamos, na vida e na morte, sorrindo!


Para minha mãe, Alice de Jesus Gouveia Petronilho, 1932-1958



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